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Como e Porquê Reproduzimos Padrões Comportamentais Familiares


Existem situações em nossas vidas que, por mais que tentemos, não conseguimos entender porque acontecem — muitas vezes de forma repetitiva. Seja no relacionamento, no trabalho, na família ou em qualquer outro setor da vida, podemos sentir que agimos de uma maneira que não nos satisfaz, que não representa a nossa verdade, que nos parece incompreensível, mas não conseguimos fazer de maneira diferente.


Esses problemas, que não conseguimos resolver e geralmente nos impedem de viver e expressar nossa essência e individualidade, têm suas raízes em situações mal resolvidas com nossos pais, avós e outros ancestrais, e que acabamos trazendo conosco, num grande emaranhado dentro do chamado Sistema Energético Familiar.


O indivíduo é fruto de sua história e do meio em que estabeleceu suas relações, estando sistemicamente atrelado à elas. Nos sistemas familiares, sofremos influências de questões vivenciadas por gerações anteriores e a elas ficamos atreladas pelas mais diversas razões, tanto por identificação positiva — como gesto de lealdade às figuras importantes de nossa vida, e também como forma de resgate e re-aproximação àqueles que um dia foram significantes em nossas vidas — quanto por identificação negativa — quando problemas passados ficaram “mal resolvidos” (ex: medo da solidão, injustiças, traumas, abusos etc.).

Tais influências, apesar de encobertas, não se dissolvem simplesmente. Ao contrário, elas se perpetuam e aumentam com o tempo, até que sejam devidamente acessadas e “expressadas”, pois de alguma maneira esses conteúdos psíquicos — de intensa valência emocional — mantêm-se “neuroticamente vivificados” e precisam ser colocados para fora pelas vítimas, para que a “ordem familiar” seja recuperada — é o chamado “acerto de contas”.


Padrões familiares são esquemas multigeracionais, ditados por “crenças nucleares arcaicas”. Essas crenças provêm da história de nossa vida pregressa, desde os nossos antepassados, e nelas estão contidas todo o sistema de funcionamento de nossos valores e princípios, funcionando como “vetores de vida”, influenciando e designando sentido e valor às nossas escolhas e atitudes na vida. Eles cumprem um importante papel em termos de estabilidade e segurança e por esta razão estão solidamente encrustrados e “almagamados” em nossa estrutura constitucional de personalidade. Por pior que tenham sido as experiências anteriores, elas nos determinam e nos situam.


Subordinados ao nosso sistema de crenças, esses padrões familiares nos conferem o que mais precisamos quando crianças: afeto, atenção, carinho, sentir-se importante, desejável e querido. Isso porque esses padrões nos legitimam em nossas necessidades primordiais: garantem nossa identidade — o “quem eu sou” — e a pertinência ao núcleo familiar de origem, o que fornece a sensação de “pertencimento”. Por essa razão, ou seja, por garantir e assegurar necessidades atávicas tão essenciais, são tão difíceis de “descolarem” do nosso ser, pois sem elas nos sentiríamos ameaçados e em perigo, como se fôssemos “árvores voando sem estarem enraizadas”.


Explicando melhor, os sistemas de crenças configuram o universo intrapsíquico de cada um e justificam porque atuamos de determinada maneira, exatamente porque “carregam” nossos medos ancestrais, nossas antigas ansiedades e fraquezas. As crenças irrompem então como “gatilhos” sempre que deparamos com situações difíceis, com novidades ou mudanças, com adversidades ou ameaças. Fazendo isso elas nos protegem de nossas mais profundas vulnerabilidades: a busca contínua de garantia de afeto (sentir-se amado e querido), o medo de abandono e rejeição, a necessidade de se sentir competente (“eu posso”), a necessidade de “inclusão familiar”, entre outras, independentemente de quais foram as razões externas que nos afetaram e das respostas que adotamos — sejam cognitivas (pensamentos), emocionais ou comportamentais — frente aos acontecimentos da vida.


Cada um lida da forma que pode com as mágoas, ressentimentos e frustrações, lançando mão de mecanismos de defesa eficientes para se proteger e adotando padrões de comportamentos os mais variáveis possíveis: “evitativo” ou de “esquiva” (ex.: fuga de situações que relembrem acontecimentos dolorosos do passado), de “supercompensação” (ex.: passamos a vida a provar que somos o oposto daquilo que acreditamos estar “condenados” a ser) e de “reafirmação” (ex.: quando confirmamos nossa baixa autoestima através de autosabotagens e do cultivo de uma sensação de nulidade como forma de autopunição e penalização contra nós mesmos, e também, contra os supostos “causadores” de nossos sofrimentos, como se o fracasso pessoal “vingasse” nossa sensação de injustiça, rejeição e abuso, como bem diz Bert Hellinger: “honramos quem mais nos causou sofrimento através do sacrifício de nossa própria felicidade”).


Ficamos assim destinados a cumprir as metas e os propósitos do inconsciente — com muito pouca possibilidade de escape, pois enquanto ele não se sentir redimido, não cessará de investir sua imensa força na busca do atendimento de suas necessidades, como se estivéssemos condenados a uma “profecia”.


No caso da repetição de padrões por identificação positiva — com figuras e modelos importantes da nossa vida — nós copiamos e “modelamos” os comportamentos dos objetos de nossa identificação e acabamos por fazer coisas que não somos capazes de compreender, ou sequer de parar de fazer.


As relações familiares não se configuram de um modo caótico e arbitrário, mesmo quando são experimentadas dessa forma. Fala-se de uma “hierarquia pela origem” porque essas relações se submetem a determinadas ordens. Isso é indiscutível, mas a questão é saber como se originam essas ordens e se podem ser reconhecidas.


Estamos acostumados a desconfiar de ordens culturalmente preestabelecidas e a reivindicar nossa autonomia e emancipação. Quando vemos — e não só em constelações familiares — o que acontece nas relações humanas, deparamos com algo desafiador, a saber, que nelas atuam forças ordenadoras, cravadas em nosso ser mais profundo, como uma marca presente no fundo de nosso inconsciente — o “inprinting”. Essas forças estão apenas encobertas, ou seja, elas não desaparecem e ficam latentes devido à nossa evolução, que possui contornos individualistas e que privilegia a razão esclarecida. Elas funcionam, portanto, como ordens “vivas” que estão a serviço da nossa sobrevivência (evolutivas), do nosso crescimento e do progresso de nossos relacionamentos. E como tudo no universo, essas forças agem ordenadamente, seguindo ritmos constantes. Basta observar a natureza e o organismo vivo: assim também é nas relações. E quando fatos passados desestabilizam estas “ordens”, instaura-se o caos, com consequências e comprometimentos sistêmicos que chegam a ultrapassar gerações se não forem devidamente “curados”.


As ordens relacionais do amor, por exemplo, contribuem para o sucesso dos relacionamentos. Elas são, geralmente, imediatamente compreensíveis e fundam uma base confiável para as relações entre pais e filhos, homem e mulher, e dentro do clã familiar. Sendo assim, é como se houvesse um código subliminar de conduta predestinado e ditado por um mandamento familiar agindo como um imperativo que subordina nossas ações, tudo com a finalidade clara de cumprir e atender necessidades que precisam ser atendidas e garantidas. Por serem totalmente inacessíveis —inconscientes —, não entendemos porque fazemos o que fazemos, mas ainda assim continuamos fazendo. Como bem diz a frase de Lao-Tse: “A alma não tem segredo que o comportamento não revele.”


Entretanto, os costumes mudaram muito nos últimos tempos, e, com eles, os valores. Tais valores estão inseridos no sistema de crenças que carregamos desde a mais tenra idade, constituindo e forjando nossa personalidade, e sobre o qual temos pouca ou nenhuma capacidade de interferência, a menos que recorramos à ajuda de um profissional especializado e capacitado em “quebrar velhas crenças” e ressignificar valores através da Reestruturação Cognitiva, técnica da Terapia Cognitiva Comportamental que, através do processo de conscientização, vai gradualmente “desmontando a força esmagadora” dos imperativos inconscientes, nossos conteúdos emocionais reprimidos, que são carregados de intensa carga de energia, submetendo nosso arbítrio aos seus desejos, esmagando nossa soberania pessoal.


A conscientização não desfaz valores e crenças, mas inverte a relação “dominante-dominado”, ou seja, se antes nossos conteúdos psíquicos passados nos dominavam, eles passam a ser dominados por nós, o que nos confere autonomia. É importante salientar que a terapia não “apaga” o que vivemos, muito menos o nos constitui como “ser”, mas possibilita acesso, entendimento e reconhecimento do grande valor que temos por ser o que somos e por chegar até onde chegamos.


O processo terapêutico nos liberta do engano e da “cegueira” sobre quem somos e sobre quem queremos nos tornar. Ele remove as “amarras invisíveis” que nos automatizam enquanto estávamos na condição passiva. É como aprender a “travar uma batalha” contra “esquemas desadaptativos passados” que insistem em perpetuar a todo custo suas vontades e caprichos, ameaçando nossa estima e nos condenando às repetições dos mesmos padrões compulsivos comportamentais.


Parafraseando o axioma Bíblico para finalizar: “Somente a verdade nos liberta”.

Por KARINA HADDAD MUSSA

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